sábado, 23 de maio de 2009

Até que o Tempo nos Separe

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Os sinos tocavam forte fazendo com que minha cabeça vibrasse e meus tímpanos ardessem. As vozes, das felizes pessoas lá presentes, me faziam ficar completamente louco. Eu me sentia totalmente atordoado e flutuante, aquilo parecia um mar escuro com fortes ondas quebrando em minhas costas. Todos bem arrumados, ternos finos, gravatas coloridas, vestidos longos e todos com seus cabelo devidamente penteados.

Mesmo assim sentia a maré subir.
Sentia o vento rugir.
E sentia o medo tocar de leve meu ombro.

Enquanto fazia força para que meus olhos enxergassem sem lacrimejar, via ao longe surgindo uma mancha branca. E de repente, o silêncio tomou conta do local. Lá estava ela, a noiva. A mulher, linda como os olhos de uma criança de 4 anos de idade, com um belo vestido longo, um cabelo negro fazendo contraste com seus trajes e sem sapatos. Cada passo que dava era uma palpitação mais forte no peito de cada pessoa ali presente. Inclusive em mim, que me sentia apaixonado pela desconhecida mulher, noiva de um desconhecido homem que se casariam naquela desconhecida igreja.
'Pode beijar a noiva', isso era tudo o que eu não queria ouvir. Enquanto o padre, um senhor bem humorado e com rugas de simpatia, ia fazendo seu discurso minha cabeça voltava a rodar. O sorriso de cada pessoa, que olhavam distraídas e ao mesmo tempo iludidas com tamanha felicidade, pareciam me esfaquear de leve.

Então gritei! Sim gritei e gritei muito.
Que parasse aquilo tudo! Que me ouvissem!
Aquele homem não poderia amar aquela mulher!
Não mais que eu poderia amar...


Mas ninguém me ouviu. O casamento continuou e era como se eu ali não estivesse. Saí da igreja antes mesmo das alianças entrarem nos dedos e caminhei por entre aquelas ruas escuras e arborizadas. Tomei uma dose de cachaça em um buteco próximo e fiquei assistindo ao morno jogo de sinuca disputado por um senhor barrigudo e um jovem com uma camisa do Star Wars. Foi quando olhei pro lado e vi o noivo. O tal do desconhecido. Mais bêbado que um pudim de cerveja, ele olhou pra mim e me ofereceu uma dose. Perguntei o que havia acontecido e ele disse que fugiu. Teve medo. Vê se pode?! O maldito largou aquela linda mulher no altar porque foi um covarde! E eu aqui, desejando que ela fosse minha!

Tocava meu ombro e dizia: Vá embora, garoto. Isso não é pra você... talvez depois você entenda.
E entendi...
A chuva batucava o vidro da janela de madeira
A bola vermelha era encaçapada
E eu, com minha alma molhada, mergulhava em covardia.


Current Music: Under The Sun - Black Sabbath

terça-feira, 19 de maio de 2009

Das Escadarias Nebulosas

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Era uma madrugada de terça-feira e as ruas, cobertas por panfletos amassados e guimbas de cigarro, pareciam não acabar nunca. Se minha avó estivesse ali com certeza diria algo parecido com "a serração está demais". Fazia muito frio, e meu pesado casaco de couro parecia não ser suficiente. Abaixei para amarrar os cadarços de meu velho all star vermelho, pelo menos esta era sua cor antes de desbotar, e tudo começou a rodar. Rodar mesmo, sabe? Como se eu estivesse em uma Roda-Gigante a 180 km/h.

Ainda era terça-feira, e eu não estava mais naquelas ruas. Quando levantei estava na estação de trem. Não sei se dormi, flutuei, viajei no espaço e tempo! Só que sei que lá estava, na estação.
Ao meu lado uma mal humorada senhora reclamava com uma garotinha, que devia ter uns 7 anos, sobre seu jeito de prender o cabelo, que parecia uma criancinha inocente - o que de fato era. Quando a porta do trem se abriu perdi a senhora e o diálogo dela com sua possível neta de vista. As pessoas passaram por mim em uma velocidade avassaladora. Eu, obviamente, não corri. Obviamente porque não sou de correr. Fiquei olhando, observando a pressa e o desespero de cada um que queria desesperadamente sair daquela suja e fétida estação. Menos eu. Eu e mais alguém.

Do banco azul e descascado, que ficava embutido na parede próxima a saída da estação, eu ouvia um agradável som. Olhei de leve para decifrá-lo e lá estava ela. Uma menina, aparentemente com uns 14 ou 15 anos, suave e serena. Com um velho, porém bem cuidado, violão. Ela tocava algo familiar.. seria The Who? Neil Young? Algo assim... mas ela não parecia tão concentrada. Cada pessoa que passava ela olhava e levemente errava um acorde ou se atrapalhava na levada da música. E cada vez que ela errava eu olhava para ela e reparava algo diferente. Olhos castanhos, óculos de aro preto, cabelo liso com uma curiosa franja para o lado e uma cara de que não tinha idéia do que estava fazendo ali.

Até que em uma das várias vezes que olhei para ela, ela notou. E sorriu, singela mas sorriu.
Sentei ao seu lado e perguntei que trem ela pegaria. Ela não respondeu e continuou a tocar. Tímida? Talvez não... acho que nem escutou o que eu disse. E cerca de 2 minutos depois respondeu "Nenhum, e você?". Aquilo me pegou de surpresa, pois quando notei que ela não sairia dali senti vontade de não sair também.

Enquanto ela continuava tocando eu apenas ouvia e a observava. Devagar e devagar, observava. Foi quando reparei meu sapato, novamente, com os cadarços desamarrados. Me abaixei para amarrá-los e senti o mesmo cheiro da madrugada. Quando dei por mim aquilo tudo tinha sido um rápido sonho - ou quem sabe delírio - e lá estava eu, na empoeirada e suja esquina da minha casa. De lá, subi minhas escada, forrei a minha cama e deitei na esperança de voltar para aquela estação e ao menos perguntar o nome dela.


Current Music: Trouble - Coldplay