terça-feira, 19 de maio de 2009

Das Escadarias Nebulosas

-


Era uma madrugada de terça-feira e as ruas, cobertas por panfletos amassados e guimbas de cigarro, pareciam não acabar nunca. Se minha avó estivesse ali com certeza diria algo parecido com "a serração está demais". Fazia muito frio, e meu pesado casaco de couro parecia não ser suficiente. Abaixei para amarrar os cadarços de meu velho all star vermelho, pelo menos esta era sua cor antes de desbotar, e tudo começou a rodar. Rodar mesmo, sabe? Como se eu estivesse em uma Roda-Gigante a 180 km/h.

Ainda era terça-feira, e eu não estava mais naquelas ruas. Quando levantei estava na estação de trem. Não sei se dormi, flutuei, viajei no espaço e tempo! Só que sei que lá estava, na estação.
Ao meu lado uma mal humorada senhora reclamava com uma garotinha, que devia ter uns 7 anos, sobre seu jeito de prender o cabelo, que parecia uma criancinha inocente - o que de fato era. Quando a porta do trem se abriu perdi a senhora e o diálogo dela com sua possível neta de vista. As pessoas passaram por mim em uma velocidade avassaladora. Eu, obviamente, não corri. Obviamente porque não sou de correr. Fiquei olhando, observando a pressa e o desespero de cada um que queria desesperadamente sair daquela suja e fétida estação. Menos eu. Eu e mais alguém.

Do banco azul e descascado, que ficava embutido na parede próxima a saída da estação, eu ouvia um agradável som. Olhei de leve para decifrá-lo e lá estava ela. Uma menina, aparentemente com uns 14 ou 15 anos, suave e serena. Com um velho, porém bem cuidado, violão. Ela tocava algo familiar.. seria The Who? Neil Young? Algo assim... mas ela não parecia tão concentrada. Cada pessoa que passava ela olhava e levemente errava um acorde ou se atrapalhava na levada da música. E cada vez que ela errava eu olhava para ela e reparava algo diferente. Olhos castanhos, óculos de aro preto, cabelo liso com uma curiosa franja para o lado e uma cara de que não tinha idéia do que estava fazendo ali.

Até que em uma das várias vezes que olhei para ela, ela notou. E sorriu, singela mas sorriu.
Sentei ao seu lado e perguntei que trem ela pegaria. Ela não respondeu e continuou a tocar. Tímida? Talvez não... acho que nem escutou o que eu disse. E cerca de 2 minutos depois respondeu "Nenhum, e você?". Aquilo me pegou de surpresa, pois quando notei que ela não sairia dali senti vontade de não sair também.

Enquanto ela continuava tocando eu apenas ouvia e a observava. Devagar e devagar, observava. Foi quando reparei meu sapato, novamente, com os cadarços desamarrados. Me abaixei para amarrá-los e senti o mesmo cheiro da madrugada. Quando dei por mim aquilo tudo tinha sido um rápido sonho - ou quem sabe delírio - e lá estava eu, na empoeirada e suja esquina da minha casa. De lá, subi minhas escada, forrei a minha cama e deitei na esperança de voltar para aquela estação e ao menos perguntar o nome dela.


Current Music: Trouble - Coldplay

2 comentários:

Nanda disse...

Que bonito *-*



*ç*

Anônimo disse...

o cara deu doizin mané