segunda-feira, 27 de abril de 2009

Da Cidadezinha do Interior

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Acordei tarde demais naquela manhã, fazia frio. Bom sinal. Me deparei com o velho despertador azul transparente que estava caido atrás da mesa de cabiceira, e que meu relógio havia parado. O café, já frio, estava sem gosto. Uma tarde cinza em uma cidade pacata onde eu não conhecia nada além de fotográfias e histórinhas que ela me contou.
Da janela do hotel eu via um senhor, lendo seu jornal e tomando algo em um belo pires com uma vaquinha desenhada. Não fazia idéia de que notícias estampavam a capa do noticiário. E nem fazia questão. Um leve e curioso sol ne espionava pela fresta da perciana cor de mármore enquanto eu me arrumava. E então resolvi sair, atrás do que realmente me interessava. Ela.
O vento ia me guiando por aquele local totalmente desconhecido para mim. Então vi o bebê no colo da mãe chorando e apontando de leve para a menina que roubava um pôster do Kiss que estava no ponto de ônibus. Lá uma senhora gorda, bem simpática, ficava olhando sorridente para a criança enquanto esperava a sua vez de ir para casa - ou seja lá para onde for. A mulher com o bebê ia caminhando e o vento soprando, bagunçando meus cabelos que já não são muito arrumados. Então chegava o ônibus. Lotado, claro. Lotado de pessoas cinzas que pareciam não apreciar nada a sua volta.
Durante 5 minutos e 43 segundos o ônibus ficou parado, esperando a entrada e saída de passageiros. Assim que ele saiu nos exatos 43 segundos daquele minuto o ponto esvaziou, e ela estava lá. Vestida preto. Tudo preto. Maquiagem, cabelo, blusa, saia, sapato. O batom, acho que era vermelho, ou seria roxo. Não sei. Ela parecia distraída, olhando para o verde da árvore que balançava. Então atravessei a rua. Aquilo parecia um filme. Mas não, era uma travessia comum, estilo Beatles em Abbey Road - se é que isso pudera ser chamado de comum.
Sorrindo para mim, ela disse um singelo “Oi”. Seus dentes eram retos, brancos e brilhantes. Mas isso não interessava mais. As nuvens em forma de coelho - algumas em forma de urso também - voltavam a se mexer e a chuva fina começava cair. Estendi minha mão esquerda e migramos para direita (o bom homem sempre fica do lado da rua, é uma forma de proteger a sua acompanhante).

- E então? Para onde vamos? – Perguntei com cautela.
- Para lá... – Apontava com os olhos
- E o que tem lá?
- Faz diferença?


Current Music: Hoje é o Primeiro Dia do Resto da sua Vida - Os Mutantes

domingo, 26 de abril de 2009

A Rua dos Encontros

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E a chuva ia caindo lavando minha lástimas
O caminho ia se abrindo devagar, devagar...
E lá estava você, com seu sorriso longo
E a agradável maneira tímida de juntar as pernas
O reflexo da chuva em seus óculos parecia sonoro
E eu, pasmo, apenas caminhava para ti
Na longa, longa Rua dos Encontros
Enquanto eu caminhava ia me lembrando
Quando vislumbrei você de branco naquele dezembro
Se preparando para as festas, porém sozinha
E eu sempre lá, caminhando, caminhando
Lembrava também de quando brigávamos
Era tão irritante... mas às vezes saudável
Conforme eu me aproximava, ia vendo meu reflexo em seus óculos
E seu sorriso ia se alargando... suas pernas se juntando
Era tudo o que eu precisava... era tudo o que eu desejava
Naquela longa, longa Rua dos Encontros


Current Music: Tell Me - The Rolling Stones

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Da Verdade Por Trás do Guarda-Chuva

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A chuva molhada
Que molhava minha vida
Inundava minha alma
Lavava minha rua
Molhando e molhando
Chovia um chovisco em mim
E tudo, e nós
Ficávamos felizes
Com a água que lavava
E desbotava
E coloria
Nosso passado


Current Music: Teardrop - Massive Atack

domingo, 19 de abril de 2009

Trevas

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Ainda deitado começava a me lembrar, vagamente. Era sábado, talvez. Mas o sol deitava de leve em minha cansada face, e as folhas secas no chão formavam uma espécie de cama. Meu casaco, bem desbotado, parecia coberto por algo que que era um misto de poeira e mato. Será?
Enquanto a luz do dia me cegava suavemente e meu corpo se mexia instantaneamente para sair daquele local, o único som que eu escutava era o dos pequenos galhos se quebrando com a força que meus pés faziam sobre eles.

Chovia pouco. Mas chovia.

Então caminhei em direção aquela velha e descascada ponte de madeira que me levaria ao outro lado do rio. Rio?! Nossa, realmente eu não fazia idéia de onde estava.
Enquanto coçava os olhos, tentando enxergar sem a ajuda de meus óculos (eu nem fazia idéia de onde eles teriam parado), eu ouvia um suave canto. Um canto da natureza talvez? Pássaros? Sereias?
Quem me derá sereias... rio, sereias, homem perdido... tudo a ver!
Mas não... era apenas um delírio. O canto que eu ouvia era um pequeno flashback da noite passada (Isto é, caso eu tenha ficado apenas uma noite caído por aqui). Lembro-me daquela moça esguia cantando sem parar e um carinha gordo enxendo meu copo de conhaque. É... vago, mas real.

Chovia um pouco mais. Mas não tanto.

Segui pela ponte. Apertei meus cadarços. Sorri para o por do sol, que realmente parecia me cumprimentar, e voltei pela estranha e quase invisível trilha de terra que me levaria ao desconhecido.
Enfrentei o escuro, caminhei pelas árvores e enquanto poucos pássaros começavam a rir de mim o tempo começava a correr novamente.

E lá estava ela. Na chuva. Molhada. Sorrindo para mim, junto com o silêncio. Com um abraço e uma toalha me recebeu. E, claro, com uma capa de chuva.
Então, sorri. Vagarosamente, mas sorri. Beijei-a como se beijasse a chuva. E fiquei calado, em seus braços.

Chovia muito. Como naquele inverno, que passou.


Current Music: Dark Shines - Muse

sábado, 18 de abril de 2009

Em Seus Olhos

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Eu sou o que a de vir
Estou sempre esperando, escondido
Eu sou só um animal
Preso em seus próprios delírios
Eu sou o dia que virá
Mas que você provavelmente vai ignorar
Eu sou apenas uma ilusão
Tentando fugir do escuro
Eu sou a promessa do passado
Eu sou o pássaro que fugiu
E vou voando, voando... solitário
Porque você é tudo que eu preciso
Você está na margem do meu caderno
No centro da minha pintura
E eu, estou deitado em seus olhos


Current Music: Fatal - Pearl Jam

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Os Porteiros de Nossas Vidas

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É incrível como o tempo passa. Vemos pessoas que passam por nossas vidas indo embora. Vemos pessoas novas entrando em nossas vidas. Certas pessoas são passageiras em nossa mente, outras marcam nossa memória para sempre.

Certo dia estava saindo de casa para o curso e algo me chamou atenção. Normalmente estou atrasado e deixo de reparar as coisas a minha volta, mas esta situação foi um tanto quanto peculiar. Em frente a minha casa tem uma pequena escolhinha, daquelas que matriculamos nossos filhos mais para brincar do que para aprender. Mas como em toda escola, nela havia um porteiro. Este, um homem negro, alto, barrigudo e muito simpático (familiar para você?).

Fui reparando o quão feliz ele era. Brincava com todas as crianças que passavam, mexia com todos! Até a mim ele cumprimentou! Eu que nada tenho a ver com aquela escola ou com o próprio. Talvez aquele emprego não seja o que ele sonhou e almejou durante sua adolescencia ou até mesmo na fase adulta, mas sem dúvidas estava feliz ali. E fazia questão de passar sua felicidade para os outros. Curioso, muito curioso.

Então fui me lembrando de todas essas pessoas, que parecem não ter importancia para nós, mas que um dia nossos olhos enxerão de lágrimas ao nos lembrarmos da cobrança de caderneta, das “ajudinhas” para entrar atrasado, do “boa tarde rapaz”. Sem dúvida eles devem ser lembrados, e serão. Queira você ou não.

Talvez entregue esse texto aquele porteiro tão simpático que me cumprimentou e me fez lembrar, pensar e recordar isso tudo. Talvez, eu guarde para mim. Talvez eu nem salve no meu computador este texto. Mas com relevancia ou não, eles continuam lá, tomando conta da porta, tomando conta de provas... tomando conta de nossas vidas. Para que um dia possam ouvir um “Obrigado por tudo.”.


Current Music: Além do que se vê - Los Hermanos

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Do vácuo

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Do silêncio...
E das rosas...
Lá vai, vai... vai
Você.


Current Music: God Gave Rock and Roll to You - Kiss

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Da Falta de Coragem

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Estava eu naquele ônibus lotado. E ela sentada ao fundo, sozinha. Eu ouvia a música que tocava alta em meu iPod enquanto observava seus traços pelo reflexo do meu chaveiro. Era doce, serena... e algo nela me atraia. Parecia segura de si, parecia estática em seus pensamentos. Vestia verde e branco, calçava uma bota e não alisava o cabelo. Utopicamente falando parecia um delírio.

Mas para mim aquela cadeira parecia distante. Não, não eram as pessoas do caminho que me impediam. Era a minha inércia. Minha falta de fé. Minha falta de coragem.

Hoje me vejo frágil. Fraco. E despercebido vou passando pela vida daqueles a minha volta, sendo apenas aquele que podia ter feito algo e não fez.

Então chegou a hora de deixar o ônibus. Puxei o sinal e mais algumas pessoas se locomoveram em direção a porta. Era minha vez, o ponto da minha casa estava ali. Dei um passo para o lado, deixei o senhor que estava atrás de mim passar e me sentei ao lado da menina. Deixei o ponto passar. Deixei minha casa passar... não poderia deixar ela passar!

Tomado pela covardia, olhei para baixo. Aumentei o som da música e tentei esquecer que estava ali. Eis que ela virou para mim, ajeitou a boina cor de salmão e disse:

- Sabe onde fica o Centro Cultural Banco do Brasil? - Olhou suavemente
- É no próximo ponto. - Até minhas palpebras tremiam

Assim que o sinal tocou, descemos. O ônibus tomava seu rumo, se perdendo na chuva fina que caia. Andamos sobre o tempo, sem remediar. Chegava a hora de tomarmos nosso caminho. E por lá chovia. Muito.

- Aceita um café?
- ... por que não?


Current Music: Where is My Mind? - Pixies